No
Século XXI, o alastramento do império da sede tem na garrafa de água mineral
engarrafada, no gado esquálido e nos caminhões-pipa rodeados de sedentos,
imagens aceitas sem pestanejar como expressões emblemáticas da rarefação das
águas doces.
Mas,
dado que nada é real fora da nossa percepção do real, a ordem global está nos
dias de hoje pespontada por conflitos entre povos, regiões e países pela posse
do líquido vital, fato nem sempre evidente aos olhos da opinião pública.
Um
destes litígios reporta ao Tibete, país antigo que durante séculos, manteve-se em
relativo isolamento, governado desde o Século XIV por Dalai-Lamas,
reis-sacerdotes tidos como reencarnações de Gendun Drup, o primeiro destes monarcas, entronizado
com apoio do sacerdócio budista.
A administração do
país, sediada na cidade de Lhasa, tinha no Palácio do Potala, justamente a imagem
que abre este artigo ( < https://www.lonelyplanet.com/china/lhasa/attractions/potala-palace/a/poi-sig/435266/356124 >), o cerne da ordem social, política e religiosa, voltada
para manter o insulamento do Tibete.
A geografia pareceu
conspirar em favor deste objetivo, a começar pelas
soberbas montanhas do Himalaia, onde encontramos, na fronteira com o Nepal, o
Pico do Everest (8.848 metros), o ponto mais alto da Terra. Alastrando-se pelo
mais alto e vasto planalto da Terra (o Plateau Tibetano), o Tibete é por
esta exata razão, conhecido como “Telhado”, ou “Teto do Mundo”.
Ao
mesmo tempo, tal singularidade topográfica explica a relevância hidrológica do país,
berço de extensos rios alimentados pelo degelo das cordilheiras do planalto. Assim,
o Tibete é um autêntico manancial de águas para vasta extensão da Ásia (Vide Mapa).
Geografia Hídrica do Tibete
(Fonte: < https://www.meltdownintibet.com/f_maps.htm >. Acesso: 26-12-2018)
(Fonte: < https://www.meltdownintibet.com/f_maps.htm >. Acesso: 26-12-2018)
As
relações do Tibete com seu poderoso vizinho, a China, oscilaram tremendamente
ao longo do tempo, marcada pela resistência do país em ser anexado pelos
chineses. Em 1950, tropas da República Popular da China (RPC), entraram em
Lhasa, e 15 anos após, Pequim repaginou administrativamente o país enquanto
região autônoma no interior da organização político-territorial da China.
Este
status é objeto de várias polêmicas, em especial pelo centralismo com
que a RPC exerce o mando no Tibete, tendo por resposta, movimentos pela
independência tibetana, cuja primeira exigência, é a retirada incondicional da China
do planalto.
Por
sua vez, a RPC repudia o que classifica como tentativa de solapar a integridade
territorial do país, como também reprime as mobilizações independentistas. A
razão da intransigência de Pequim justifica-se, dentre outros pontos, por
motivações de fundo hidrológico.
Como é possível conferir no Mapa, o Tibete é um pivot
hidrológico de primeira linha para grande parte da Ásia. A posse do imponente
planalto garante à China uma poderosa fortaleza natural que protege os centros
vitais do país, que mais ainda, estando a cavaleiro dos rios que fluem a
jusante, garante aos chineses influente papel geopolítico em vasta parte do
continente.
A
partir do planalto, nascem todos os grandes rios da Ásia Meridional e do
Extremo Oriente: Brahmaputra, Ganges, Irrawadi, Mekong, Salueen, Yang-Tsé-Kiang
(rio Amarelo), Hoang-Ho (rio Azul), Hindus e o Sutlej. Logo, a China literalmente controla uma fatoração hídrica
indissociável da sua projeção na esfera da política continental e global.
Certo
é que nada disto depõe em contrário ao fervor nacional tibetano, que a despeito
dos vínculos históricos mantidos com a China, contesta o que entende como
usurpação do direito de autodeterminação.
Porém,
recordemos as considerações do geógrafo francês Claude Raffestin, que em Por
Uma Geografia do Poder, numa
explicação direta e objetiva, recorda que sendo a água um líquido vital e insubstituível,
qualquer forma de dominação exercida a partir dos provimentos do líquido,
necessariamente articula arquiteturas de poder propensas a se imiscuir em todos
os interstícios do edifício político.
Isto
é: a água é no caso do Tibete, assim como em muitos outros cenários da ordem
global, vetor que explica a exacerbação das disputas e do hegemonismo político.
Logo, como advertem os especialistas em geopolítica, a China dificilmente, ou
mesmo jamais, abrirá mão do Tibete.
Torcemos
para que a nação tibetana possa estar ao comando do seu próprio destino.
Contudo, indo direto ao ponto, os obstáculos, senão intransponíveis, são, pelo
mínimo, acintosamente espinhosos.
SAIBA MAIS SOBRE A
CRISE HÍDRICA E O IMPÉRIO DA SEDE
Lançamento Editora Kotev (2019, KOTEV©),
ISBN 1230003255148, 506.193 Caracteres e 65 Figuras. Acesso Livre na Internet em Formato PDF:
Programa Record News
Entrevista de Maurício Waldman com Heródoto
Barbeiro, (12:45 minutos), 20-06-2019:
Entrevista Especial para o Instituto
Humanitas Unisinos, 6-08-2019
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