September 20, 2019

TIBETE: AS COBIÇADAS ÁGUAS DO TETO DO MUNDO - SÉRIE IMPÉRIO DA SEDE Nº. 3




No Século XXI, o alastramento do império da sede tem na garrafa de água mineral engarrafada, no gado esquálido e nos caminhões-pipa rodeados de sedentos, imagens aceitas sem pestanejar como expressões emblemáticas da rarefação das águas doces.

Mas, dado que nada é real fora da nossa percepção do real, a ordem global está nos dias de hoje pespontada por conflitos entre povos, regiões e países pela posse do líquido vital, fato nem sempre evidente aos olhos da opinião pública.

Um destes litígios reporta ao Tibete, país antigo que durante séculos, manteve-se em relativo isolamento, governado desde o Século XIV por Dalai-Lamas, reis-sacerdotes tidos como reencarnações de Gendun Drup, o primeiro destes monarcas, entronizado com apoio do sacerdócio budista.

A administração do país, sediada na cidade de Lhasa, tinha no Palácio do Potala, justamente a imagem que abre este artigo ( < https://www.lonelyplanet.com/china/lhasa/attractions/potala-palace/a/poi-sig/435266/356124 >), o cerne da ordem social, política e religiosa, voltada para manter o insulamento do Tibete.

A geografia pareceu conspirar em favor deste objetivo, a começar pelas soberbas montanhas do Himalaia, onde encontramos, na fronteira com o Nepal, o Pico do Everest (8.848 metros), o ponto mais alto da Terra. Alastrando-se pelo mais alto e vasto planalto da Terra (o Plateau Tibetano), o Tibete é por esta exata razão, conhecido como “Telhado”, ou “Teto do Mundo”.

Ao mesmo tempo, tal singularidade topográfica explica a relevância hidrológica do país, berço de extensos rios alimentados pelo degelo das cordilheiras do planalto. Assim, o Tibete é um autêntico manancial de águas para vasta extensão da Ásia (Vide Mapa).

Geografia Hídrica do Tibete
(Fonte: < https://www.meltdownintibet.com/f_maps.htm >. Acesso: 26-12-2018)

As relações do Tibete com seu poderoso vizinho, a China, oscilaram tremendamente ao longo do tempo, marcada pela resistência do país em ser anexado pelos chineses. Em 1950, tropas da República Popular da China (RPC), entraram em Lhasa, e 15 anos após, Pequim repaginou administrativamente o país enquanto região autônoma no interior da organização político-territorial da China.

Este status é objeto de várias polêmicas, em especial pelo centralismo com que a RPC exerce o mando no Tibete, tendo por resposta, movimentos pela independência tibetana, cuja primeira exigência, é a retirada incondicional da China do planalto.

Por sua vez, a RPC repudia o que classifica como tentativa de solapar a integridade territorial do país, como também reprime as mobilizações independentistas. A razão da intransigência de Pequim justifica-se, dentre outros pontos, por motivações de fundo hidrológico.

Como é possível conferir no Mapa, o Tibete é um pivot hidrológico de primeira linha para grande parte da Ásia. A posse do imponente planalto garante à China uma poderosa fortaleza natural que protege os centros vitais do país, que mais ainda, estando a cavaleiro dos rios que fluem a jusante, garante aos chineses influente papel geopolítico em vasta parte do continente.

A partir do planalto, nascem todos os grandes rios da Ásia Meridional e do Extremo Oriente: Brahmaputra, Ganges, Irrawadi, Mekong, Salueen, Yang-Tsé-Kiang (rio Amarelo), Hoang-Ho (rio Azul), Hindus e o Sutlej. Logo, a China literalmente controla uma fatoração hídrica indissociável da sua projeção na esfera da política continental e global.

Certo é que nada disto depõe em contrário ao fervor nacional tibetano, que a despeito dos vínculos históricos mantidos com a China, contesta o que entende como usurpação do direito de autodeterminação.

Porém, recordemos as considerações do geógrafo francês Claude Raffestin, que em Por Uma Geografia do Poder, numa explicação direta e objetiva, recorda que sendo a água um líquido vital e insubstituível, qualquer forma de dominação exercida a partir dos provimentos do líquido, necessariamente articula arquiteturas de poder propensas a se imiscuir em todos os interstícios do edifício político.

Isto é: a água é no caso do Tibete, assim como em muitos outros cenários da ordem global, vetor que explica a exacerbação das disputas e do hegemonismo político. Logo, como advertem os especialistas em geopolítica, a China dificilmente, ou mesmo jamais, abrirá mão do Tibete.

Torcemos para que a nação tibetana possa estar ao comando do seu próprio destino. Contudo, indo direto ao ponto, os obstáculos, senão intransponíveis, são, pelo mínimo, acintosamente espinhosos.

SAIBA MAIS SOBRE A CRISE HÍDRICA E O IMPÉRIO DA SEDE

ÁGUA: ESCASSEZ E CONFLITOS NO IMPÉRIO DA SEDE
Lançamento Editora Kotev (2019, KOTEV©), 
ISBN 1230003255148, 506.193 Caracteres e 65 Figuras. Acesso Livre na Internet em Formato PDF:


Programa Record News
Entrevista de Maurício Waldman com Heródoto Barbeiro, (12:45 minutos), 20-06-2019:


Entrevista Especial para o Instituto Humanitas Unisinos, 6-08-2019


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