October 1, 2019

COMENDO TOMATE COM A ÁGUA DOS OUTROS - SÉRIE IMPÉRIO DA SEDE Nº. 4



Desde finais do Século XX, a partir dos estudos relacionados à rarefação da água, difundiram-se análises baseadas em métricas do consumo de água das atividades econômicas.

Num cenário pespontado pelas ansiedades despertadas pela falta d’água, a noção da importância da volumetria que cabe aos produtos, determinou que o conceito de água incorporada ou virtual, passasse a frequentar os manuais e os prontuários do comércio exterior.

Como podemos deduzir do nome dado ao conceito, trata-se da proporção de água doce que cada mercadoria solicita, e que não obstante ser indispensável para obter o produto final, ninguém a rigor, vê a menor fração do líquido quando compra pão, carne, uvas ou, como no caso deste texto, tomates. Daí justificadamente, o uso do termo virtual.

No marco colocado pelo comércio internacional, que como tudo o que se refere à ordem global é manifestadamente desigual, impõe-se uma conclusão: a de que determinados países, estejam ou não calçados em estoques hídricos, despontam como provedores de água na forma de bens primários como grãos, frutas, minérios e proteína animal.

Neste sentido, entendendo-se que na economia global os recursos são extraídos em um país, transformados em bens em outro e consumidos num terceiro, os fluxos de água virtual possuem enorme relevância, pois revelam o quanto as dessimetrias do poder econômico agem para beneficiar poucos países em detrimento dos demais, que arcam com os custos ambientais da produção de bens.

Materializando uma geografia do poder, esta assertiva cabe como uma luva para os países europeus, que como um todo, asseguram 40% da sua pegada hídrica, isto é, da água doce que consomem, a partir de montantes hídricos externalizados fora das suas fronteiras.

Mas, note-se que as nações europeias mais poderosas, tais como Itália, Alemanha e Inglaterra, possuem pegadas hídricas externas bem maiores, variando entre 60% a 95% do consumo total. Isto é, absorvem água embutida nas mercadorias oriundas de países externos de onde ocorre o consumo final, implicando numa portentosa economia de recursos hídricos.

Neste prisma, desponta em especial a economia alemã, cujo poderio é manifesto. Potência econômica de primeira linha, a Alemanha tem a quarta maior economia do Planeta em termos de PIB nominal, sendo líder global em diversos setores fabris e tecnológicos e terceiro maior exportador e importador mundial de mercadorias.

O mercado alemão é destino preferencial de commodities como petróleo e gás, madeiras, minérios e itens agrícolas como a soja, café, painço, óleos vegetais, grãos, borracha, algodão, cacau, azeite e açúcar, que esbanjam eloquente água virtual, importados, no geral, de nações periféricas.

Note-se que a Alemanha, em paralelo ao movimentado comércio com os países do Terceiro Mundo, é ativo parceiro comercial das nações europeias vizinhas, que por motivos logísticos, tais como frete e a perecibilidade de determinados produtos, são fornecedores da mesa dos alemães, fato que também recoloca na pauta, o comércio de água virtual.

Tome-se, por exemplo, o elucidativo caso da pegada hídrica alemã no tocante ao consumo de tomates. No período 1996-2005, a produção alemã do produto foi de 47.000 toneladas por ano, com um índice médio 36 m³ de água para produzir cada tonelada do produto.

Todavia, neste mesmo lapso de tempo, os alemães, para saciar sua predileção pelo apetitoso fruto vermelhinho, importaram 667.000 toneladas/ano de tomates, pelo que, na somatória média dos tomates importados, o mercado consumidor alemão dispôs de 57 m³ de água para cada tonelada do fruto.

Logo, numa contabilidade sumária, a importação de tomate gerou uma poupança de 38.019.000 de m³ do líquido, economizados do capital hídrico alemão. Para ofertar maior inteligibilidade ao montante de 38.019.000 de m³, que tão só informa a pegada hídrica dos tomates, este volume seria suficiente para:

·        Saciar a sede dos novaiorquinos durante quase cinco anos;

·        Dessedentar todos os portugueses durante quase três anos;

·        Garantir água de beber para todos os berlinenses durante onze anos.

Portanto, é água para dar inveja às cataratas do Niagara. Daí que o comércio de água virtual é uma importante ferramenta para avaliarmos a extensividade do império da sede, com o qual o mercado mundial mantém insofismável relação siamesa.

Indo direto ao ponto, a sede possui diversas fisionomias. Está presente na torneira seca e nas filas que se formam em todo o mundo em torno dos caminhões-pipa.
E embora como foi dito, não seja evidente, também está representada no simpático e suculento tomatinho que todos gostam de levar à boca. Principalmente quando a boca em questão, é a dos outros.



SAIBA MAIS SOBRE A DESIGUALDADE HÍDRICA E O IMPÉRIO DA SEDE

Programa Record News
Entrevista de Maurício Waldman com Heródoto Barbeiro, (12:45 minutos), 20-06-2019:

Água: Escassez e Conflitos no Império da Sede, de Maurício Waldman
Lançamento Editora Kotev (2019 KOTEV©)
ISBN 1230003255148, com 506.193 Caracteres e 65 Figuras
Acesso Livre na Internet em Formato PDF:                       
http://www.mw.pro.br/mw/agua_escassez_e_conflitos_no_imperio_da_sede.pdf


Entrevista Especial para o Instituto Humanitas Unisinos, 6-08-2019


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