Desde
finais do Século XX, a partir dos estudos relacionados à rarefação da água, difundiram-se
análises baseadas em métricas do consumo de água das atividades econômicas.
Num
cenário pespontado pelas ansiedades despertadas pela falta d’água, a noção da
importância da volumetria que cabe aos produtos, determinou que o conceito de água incorporada ou virtual, passasse a frequentar os manuais e os prontuários do comércio
exterior.
Como
podemos deduzir do nome dado ao conceito, trata-se da proporção de água doce
que cada mercadoria solicita, e que não obstante ser indispensável para obter o
produto final, ninguém a rigor, vê a menor fração do líquido quando compra pão,
carne, uvas ou, como no caso deste texto, tomates. Daí justificadamente, o uso
do termo virtual.
No
marco colocado pelo comércio internacional, que como tudo o que se refere à
ordem global é manifestadamente desigual, impõe-se uma conclusão: a de que determinados
países, estejam ou não calçados em estoques hídricos, despontam como provedores
de água na forma de bens primários como grãos, frutas, minérios e proteína
animal.
Neste
sentido, entendendo-se que na economia global os recursos são extraídos em um
país, transformados em bens em outro e consumidos num terceiro, os fluxos de
água virtual possuem enorme relevância, pois revelam o quanto as dessimetrias do
poder econômico agem para beneficiar poucos países em detrimento dos demais,
que arcam com os custos ambientais da produção de bens.
Materializando
uma geografia do poder, esta assertiva cabe como uma luva para os países
europeus, que como um todo, asseguram 40% da sua pegada hídrica, isto é, da
água doce que consomem, a partir de montantes hídricos externalizados fora das
suas fronteiras.
Mas,
note-se que as nações europeias mais poderosas, tais como Itália, Alemanha e Inglaterra,
possuem pegadas hídricas externas bem maiores, variando entre 60% a 95% do
consumo total. Isto é, absorvem água embutida nas mercadorias oriundas de
países externos de onde ocorre o consumo final, implicando numa portentosa
economia de recursos hídricos.
Neste
prisma, desponta em especial a economia alemã, cujo poderio é manifesto. Potência
econômica de primeira linha, a Alemanha tem a quarta maior economia do Planeta
em termos de PIB nominal, sendo líder global em diversos setores fabris e
tecnológicos e terceiro maior exportador e importador mundial de mercadorias.
O
mercado alemão é destino preferencial de commodities
como petróleo e gás, madeiras, minérios e itens agrícolas como a soja, café,
painço, óleos vegetais, grãos, borracha, algodão, cacau, azeite e açúcar, que
esbanjam eloquente água virtual, importados, no geral, de nações periféricas.
Note-se
que a Alemanha, em paralelo ao movimentado comércio com os países do Terceiro
Mundo, é ativo parceiro comercial das nações europeias vizinhas, que por
motivos logísticos, tais como frete e a perecibilidade de determinados
produtos, são fornecedores da mesa dos alemães, fato que também recoloca na
pauta, o comércio de água virtual.
Tome-se,
por exemplo, o elucidativo caso da pegada hídrica alemã no tocante ao consumo
de tomates. No período 1996-2005, a produção alemã do produto foi de 47.000
toneladas por ano, com um índice médio 36 m³ de água para produzir cada
tonelada do produto.
Todavia,
neste mesmo lapso de tempo, os alemães, para saciar sua predileção pelo
apetitoso fruto vermelhinho, importaram 667.000 toneladas/ano de tomates, pelo
que, na somatória média dos tomates importados, o mercado consumidor alemão
dispôs de 57 m³ de água para cada tonelada do fruto.
Logo,
numa contabilidade sumária, a importação de tomate gerou uma poupança de
38.019.000 de m³ do líquido, economizados do capital hídrico alemão. Para
ofertar maior inteligibilidade ao montante de 38.019.000 de m³, que tão só
informa a pegada hídrica dos tomates, este volume seria suficiente para:
·
Saciar a sede dos novaiorquinos durante quase cinco anos;
·
Dessedentar todos os portugueses durante quase três anos;
·
Garantir água de beber para todos os berlinenses durante
onze anos.
Portanto, é água para dar inveja às cataratas do Niagara.
Daí que o comércio de água virtual é uma importante ferramenta para avaliarmos
a extensividade do império da sede, com o qual o mercado mundial mantém
insofismável relação siamesa.
Indo
direto ao ponto, a sede possui diversas fisionomias. Está presente na torneira
seca e nas filas que se formam em todo o mundo em torno dos caminhões-pipa.
E
embora como foi dito, não seja evidente, também está representada no simpático
e suculento tomatinho que todos gostam de levar à boca. Principalmente quando a
boca em questão, é a dos outros.
SAIBA MAIS SOBRE A DESIGUALDADE
HÍDRICA E O IMPÉRIO DA SEDE
Programa Record News
Entrevista de Maurício Waldman com Heródoto
Barbeiro, (12:45 minutos), 20-06-2019:
Água: Escassez e Conflitos no Império da
Sede, de Maurício Waldman
Lançamento Editora Kotev (2019 KOTEV©)
ISBN 1230003255148, com 506.193 Caracteres e 65 Figuras
Acesso Livre na Internet em Formato PDF:
http://www.mw.pro.br/mw/agua_escassez_e_conflitos_no_imperio_da_sede.pdf
Lançamento Editora Kotev (2019 KOTEV©)
ISBN 1230003255148, com 506.193 Caracteres e 65 Figuras
Acesso Livre na Internet em Formato PDF:
http://www.mw.pro.br/mw/agua_escassez_e_conflitos_no_imperio_da_sede.pdf
Entrevista Especial para o Instituto
Humanitas Unisinos, 6-08-2019
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